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PRIMITIVOS RELÓGIOS MECÂNICOS

CHINESES E ÁRABES

Há historiadores que, baseados em documentos de origem chinesa, atribuem a esse povo a primazia na criação de um escape mecânico. O seu inventor seria o monge budista I-Hsing (682-727) que, com o auxilio de Liang Ling-Tsan, teria construído o primeiro relógio com um escapamento mecânico, por volta do ano 725. I-Hsing foi um notável matemático e astrônomo de seu tempo.
Em face de cultura milenar do povo chinês, não é improvável que tenham sido seus homens de ciência os primeiros a chegar à descoberta de um escape mecânico eficiente, uma vez que também eles, a exemplo dos árabes, já se haviam notabilizado pela construção de relógios de água, com sistemas de engrenagens que indicavam o movimento dos astros.
Não há, no entanto, nenhum vestígio de como teria sido esse escapamento chinês, tudo levando a supor tratar-se de dispositivo totalmente diverso, em desenho e detalhes construtivos, dos escapes aplicados nos primeiros relógios mecânicos europeus.
Na Europa, antes dos princípios do século XIV, não doram encontradas referencias que permitam assegurar-se a presença de relógios inteiramente mecânicos. E isto até mesmo nos seus principais centros de cultura ou entre os grandes entusiastas da relojoaria, como Guilherme de Alverno, arcebispo de Paris, falecido em 1248, ou ainda o rei Afonso, de Castela (1221-1284).
Presume-se, por conseguinte, ter essa categoria de relógios aparecido nos centros europeus somente ao findar o século XIII. Parecendo confirmar esse ponto de vista, temos o mais antigo relógio de torre conhecido, que é o da Catedral de Beauvais, na França, construído entre os anos 1300 e 1325 pelo cônego Etiénne Musique.
Por outro lado, alguns autores mencionam que os primeiros relógios de pesos a aparecerem na Europa foram para lá levados pelos cruzados e eram provenientes da Palestina.
Isto poderia perfeitamente ter sucedido uma vez que os povos do norte da África estiveram, em período anterior, bem mais evoluídos em arte e cultura que os europeus, sendo portanto até bastante lógico que, como evolução da clepsidra com mecanismo de engrenagens, tenham chegado à construção do relógio mecânico de peso, provavelmente com algum órgão regulador que contivesse o movimento das engrenagens, mantendo sua rotação dentro de uma regularidade, pelo menos algumas referencias acerca desses relógios, elas são bastante nebulosas, não contendo indicações que permitam avaliar o grau de evolução desses relógios ou mesmo tomar conhecimento do sistema de escape de possuíam.
Uma das referências encontradas no Oriente, considerada das mais célebres citações, é a descrição que o medico Ridwân deixou e que remota à volta do ano 1200 de nossa era. Descreveu ele o relógio da mesquita de Damasco, mencionando as diversas engrenagens e pesos, assim como a disposição dessas peças no mecanismo. Esse relógio foi atribuído ao pai de Ridwân, que o teria construído no reinado do sultão Salah-ed-Din (1138-1193).
Pela descrição mencionada, assim como por outros indícios, é provável que os relógios árabes, movidos a pesos, tenham sido os precursores dos relógios mecânicos, situando-se um período de transição entre as clepsidras de rodas dentadas e os antigos relógios de torre, possuindo todas as características inerentes a estes, como o conjunto de engrenagens, os pesos motores e, como é obvio, um dispositivo de escape como elemento regulador, embora, evidentemente, de forma e execução bastante rudimentares.
Alias, encontra-se em alguns textos europeus a menção de que o sultão Salah-ed-Din enviou ao seu amigo imperador Frederico II um presente originalíssimo para a época: um engenhoso relógio de pesos. O valor desse relógio seria da ordem de cinco mil ducados, quantia bastante apreciável naquela época.

TRANSIÇÃO: CLEPSIDRA-RELÓGIO MECÂNICO

Depois de uma prolongada apreciação histórica, focalizando os principais relógios que o homem produziu e usou desde a mais remota antiguidade, entraremos agora no estudo dos primeiros relógios mecânicos.
A invenção das rodas dentadas, elementos básicos do relógio mecânico, foi atribuída inicialmente a Aristóteles e, mais tarde, a Arquimedes, entre os nos 287 e 212, antes de nossa era. No entanto, a construção de um medidor do tempo, exclusivamente mecânico, retardou-se mais de 1500 anos. Por outro lado, parece ter decorrido apenas pouco mais de cem anos, após a descoberta das engrenagens, para o advento das clepsidras de rodas dentadas, ponto em evidencia o grau de desenvolvimento, relativamente elevado, em que a ciência e a técnica se encontram nessa longínqua época, próximo ao alvorecer da nossa era.
Em relógios hidráulicos, foi citado com detalhes essas famosas clepsidras, criadas por Ktesíbio, célebre mecânico de Alexandria, nas quais importantes elementos mecânicos foram usados, como a engrenagem e a cremalheira. Foram, sem duvida, essas clepsidras de rodas dentadas, trabalhando com os elementos primordiais dos relógios mecânicos, as precursoras destes.
Entre o aparecimento das primeiras clepsidras com engrenagens e os relógios inteiramente mecânicos medeiam nada menos de 14 séculos , período esse bastante longo e que, por si só, revela as dificuldades encontradas pelo homem para que pudesse, partindo dos relógios de Ktsíbio, afastar-se do principio hidráulico e entrar no movimento puramente mcanico.
Entrementes, chegaram a ser construídas clepsidras e autômatos de grande complexidade, como o relógio de água que Carlos Magno (742-814) recebeu de presente do califa Harum-Al-Raschid, alem de outros do mesmo gênero. Todavia, todos se baseavam nos princípios determinados por Ktesíbio, sendo portanto, em essência, nada mais que uma repetição dos relógios desse extraordinário mecânico de Alexandria, que, a par da clepsidra de rodas, criou também outros mecanismos e ferramentas, ainda se positivou como um dos precursores do órgão, esse instrumento musical tão comumente encontrado nas igrejas.
É evidente que devem ter sido feito tentativas para a criação de relógios mecânicos nesses 14 séculos que separam Ktesíbio dos primeiros relógios desse gênero que apareceram. Pode-se mesmo deduzir que o passo inicial terá sido a aplicação de um peso motor em um cilindro, acoplado a um simples conjunto de engrenagens; porem, como é obvio, as engrenagens movidas pelo efeito do peso giravam rápido, desenvolvendo uma aceleração de velocidade e em pouco tempo o peso descia ao seu ponto final, sem permitir uma regularidade na rotação das engrenagens.
Enquanto nas clepsidras mecânicas a água escoando atuava como elemento regulador, o mesmo não se poderia obter de um peso que, pela ação da gravidade, apenas tinha possibilidade de atuar sobre o conjunto de engrenagens, como elemento motor, havendo, portanto necessidade de um outro dispositivo – o regulador – que se incumbira de moderar a velocidade das engrenagens, mantendo-as dentro de limites previamente calculados, tornando possível o uso do conjunto como marcador de tempo.
Havia pois que procurar criar o escape, esse órgão imprescindível ao relógios mecânicos, sem o qual o mecanismo de engrenagens movido a peso de nada valia.
Parece que essa necessidade se fez sentir pelo menos entre os chineses, árabes e europeus, certamente em épocas diferentes, no entanto não tão distanciadas entre si, uma vez que as referencias que aparecem na historia se encontram todas dentro de nossa era.
Em face dos elementos existentes não é possível afirmar-se com convicção de que povo terá partido a idéia de criação do primeiro escape mecânico, se é que não partiu de mais de um isolante, essa iniciativa.
Seja como for, devido à falta de registros exatos e imperecíveis na historia, parece que o tempo se encarregou de apagar através dos séculos os indícios que pudessem levar a essa conclusão.

PRIMEIROS VULTOS EUROPEUS

A tão decantada engenhosidade do homem foi, sem duvida, posta à prova quando concluiu que, para construir um relógio essencialmente mecânico, precisava contar com um elemento regulável que contivesse o andamento das suas engrenagens tão vagarosa e girar uma última roda do trem de engrenagens tão vagarosa e regularmente, que propiciasse a contagem de um razoável espaço de tempo, com segurança de funcionamento.
Na verdade era fácil regular o escape da água de uma clepsidra, era simples, era intuitivo: bastava aumentar ou diminuir o orifício onde escoava o liquido. Mas ao tentar criar um escape mecânico, o homem certamente pôde sentir a magnitude de um problema aparentemente tão simples e que, no entanto, foi uma incógnita durante séculos.
Confrontando-se as datas que aparecem na cronologia do relógio, não é difícil constatar-se as imensas dificuldades com que o homem se deparou. Quantos cérebros dos mais privilegiados tudo fizeram para resolver esse problema? Desconhecemos. Porém de uma coisa estamos certos: a medição do tempo preocupou com maiores sábios da antiguidade. Pelo numero de séculos transcorridos entre o advento das engrenagens e os primeiros relógios mecânicos, é fácil concluir-se o quanto foi penoso, o quanto foi árduo o trabalho de pesquisas, sem resultados durante muitos séculos.
Quando sem conseguiu criar o órgão que regulou, determinando com precisão – embora relativa no inicio – o correr das rosas de um trem de engrenagens já eram conhecidas de longa data, assim como o movimento de um conjunto de engrenagens por meio de um peso. Sua descoberta, certamente, não se deu de uma só vez, sendo admissível e lógica uma seqüência de trabalhos visando esse fim, que terá se estendido por séculos, com a contribuição de diversos pesquisadores, deixando cada um algo de seus esforços em prol da solução do problema.
A invenção do escape era, portanto o detalhe que faltava como impulso para o desenvolvimento desses relógios. Pode-se imaginar o trabalho dispendido pelo seu descobridor para chegar a essa solução e ainda o júbilo de que foi possuído. Abria ele uma nova era na medição do tempo. Quem terá tido esse privilegio? Alguns historiadores atribuem a descoberta a Pacífico, arcediácono de Verona, falecido em 849; outros a Gerbert, monge da Abadia de S. Geraldo de Aurillac, depois de superior do Convento de Boblio, na Itália, e que no ano 999 foi coroado Papa sob o nome de Silvestre II. É fora de duvida que Gelberte foi um grande sábio que se dedicou à astronomia e como decorrência procurou uma forma racional de medir as horas, sem depender de uma continua observação dos astros. Sobre ele escreveu Berthoud: “Era um sábio muito distinguido que durante sua estadia na Espanha tomou conhecimentos astronômicos dos mouros. Acredita-se que é a ele que devemos a introdução dos números arábicos”. Ainda sobre essa importante figura da historia do relógio disse Kindler: “Segundo certos autores, Gelbert deve ter construído em Magdebourg, em 996, um relógio admirável que anda por meio de pesos e rodas; mas não existe prova plausível desta afirmação e outros historiadores pretendem que somente se tratou de um tubo de visão, servindo para constatar as horas conforme a posição das estrelas”.
No entanto, apesar do grande valor de Pacífico e de Gerbert, quanto ao seu trabalho em prol da medição do tempo, o mais certo é ter se perdido na poeira dos séculos o nome do espírito inventivo a quem se deve a descoberta de importante órgão do mecanismo dos relógios. Como a afirmar esta ultima suposição, o Padre Beneditino Dom Jacques Allexandre diz em sua obra “Tratado Geral dos Relógios”, impressa em Paris em 1734: “ No fim do século X foram inventados os relógios movidos a rodas, mas não se sabe que foi o inventor”.
Dentre os desenhos deixados por Villard, que foi arquiteto no século XVIII, existe um, datado de 1251, representando um dispositivo que, segundo o autor, se tratava de uma experiência precursora de um escapamento de relógio e a seu ver contribuiu para o desenvolvimento dos relógios mecânicos movidos a peso. Esse desenho mostra um dispositivo excessivamente primário, mesmo rudimentar, o que é de certo modo estranhável, visto até essa época já terem sido construídos mecanismos muito engenhosos, como por exemplo o das complicadas clepsidras de rodas dentadas.

O FOLIOT: DEFICIÊNCIAS – DESCRIÇAO

Como não poderia deixar de ser, e o homem tem demonstrado sempre e sempre em toda sua historia, mercê de sua inquebrantável determinação acaba por vencer mais uma importante etapa, quando descobre um órgão mecânico que, a exemplo do orifício na clepsidra que contém e regula o correr da água, contém e regula o correr das engrenagens. Não obstante sua similitude de funções, embora em situações totalmente diferentes, produzindo resultados até certo ponto semelhantes, são totalmente diversos em sua concepção; não há na verdade o menor resquício de comparação entre o singelo e intuitivo escape da clepsidra e o primeiro, engenhoso e sutil escape mecânico que conhecemos, denominado foliot. O nome do inventor do foliot, esse tão genial dispositivo de escape, infelizmente é ignorado. Como em tantas outras descobertas, nessa também não há indicação alguma que possa levar com segurança ao mecânico, que, com seu gênio, conseguiu dar regularidade de funcionamento a um conjunto de engrenagens, movido por um peso motor.
Era o foliot um escape rudimentar, que funcionava com pouca precisão, mas... funcionava. E assim o homem dá um grande passo que lhe permite alcançar uma etapa importante, qual seja a de começar uma etapa importante, qual seja a de começar a construir relógios mecânicos, precursores dos relógios de igreja, movidos a pesos, que conhecemos. Alem disso foi o foliot o predecessor do balanço, que hoje esta presente em todos os relógios de corda de pulso.
Esse primeiro órgão, que realmente preencheu os requisitos necessários como escapamento, destinado a regular a marcha dos relógios mecânicos e que não obstante sua relativa precisão demonstra bem o talento e elevada habilidade de seu criador, foi usado durante séculos, não somente em relógios portáteis e alguns de seus detalhes construtivos persistiram ainda após a descoberta do pêndulo.
Consistia o referido dispositivo em um engenhoso e simples conjunto compreendendo: um braço transversal oscilante (denominado “foliot” em francês) que era fixado sobre a extremidade superior de um eixo vertical (“verge”) provido de duas palhetas e quanto em ação descrevia um movimento semi-circular de vai-e-vem. Por sua vez, o eixo a palhetas ra acionado por meio de uma engrenagem de reencontro, em formato de coroa, cujos dentes, tendo a forma de serra, exerciam sobre as palhetas uma pressão dirigida alternativamente nos dois sentidos. O braço oscilante foliot, era provido em suas extremidades, de uma série de pequenos entalhes, nos quais se encaixavam dois pesos relativamente bem distanciados do eixo; a regulagem do relógio era feita pelo maior ou menor afastamento desses pesos nos diversos entalhes, em menor afastamento desses pesos relativamente bem distanciados do eixo; a regulagem do relógio era feita pelo maior ou menor afastamento desses pesos nos diversos entalhes, em relação ao eixo vertical, o que permitia uma regulagem rudimentar da marcha do relógio, propiciando um escape mais lento ou mais rápido da roda coroa. A fim de que o eixo, com as palhetas, portador do braço oscilante e pesos de regulagem, não ficasse diretamente apoiado sobre o pivô inferior, o que roubaria uma boa parte da força do mecanismo era ele pendurado num cordão duplo, que por seu efeito de torção contribuía para o retorno do braço oscilante à sua posição média. Esse escapamento, não obstante o grande mérito de ter permitido a possibilidade de construção de muitos relógios mecânicos, abrindo assim a trilha no sentido certo que levou à produção de exatos marcadores de horas, como hoje conhecemos, apresentava certas deficiências básicas inerentes ao próprio sistema, uma vez que os movimentos circulares do vai-e-vem do foliot estavam sujeitos a variações relativamente elevadas, decorrentes da maior ou menor pressão dos pesos motores, da posição dos pesos reguladores no braço oscilante, do cordel que segurava suspenso esses órgãos, etc. somando-se a tudo isto havia ainda a deficiente execução mecânica dos relógios dessa época, que possuíam, em geral, suas peças com meu acabamento e em alguns casos grosseiramente fabricadas.
Evidentemente, um desses relógios, executado em nossos dias, com o maquinário e materiais disponíveis, funcionaria com mais regularidade, porém de qualquer forma não corresponderia às mais modestas exigências de precisão. Esse foi o principal motivo que levou os sábios da época à conclusão de que o escapamento a braço oscilante foliot deveria dar lugar a outro dispositivo, cujas características de fundo técnico e cientifico pudessem apresentar melhores resultados.
Muito embora o foliot não correspondesse a um padrão de precisão razoável, em face de sua grande sensibilidade a precisão razoável, em face de sua grande sensibilidade a quaisquer variações motrizes, ele esteve presente praticamente em todos os relógios mecânicos, seguramente por mais de três séculos e meio, tendo sido de tal forma aperfeiçoado e miniaturizado nesse espaço de tempo, que seu principio deu ensejo ao aparecimento dos relógios do bolso, sendo para este caso transformado o braço transversal em um aro com raios – o balanço – e o cordão substituído inicialmente por uma cerda de porco e posteriormente por uma espiral metálica.
As palhetas e roda de reencontro ainda subsistiram por muito tempo, mesmo após a aplicação do pendulo em um relógio, realizado por Huygens em 1658.

PRIMORDIAL FINALIDADE

Pelo que se pode depreender das gravuras da época, os primeiros relógios mecânicos que o homem construiu tinham a primordial finalidade de atuar como despertador, tocando em um tímpano ou sino, e sua utilidade parede ter se cingido a determinar horários de despertar ou de obrigações em mosteiros, principalmente durante o período noturno.
Esse ponto de vista é ratificado pelo fato, deveras importante, de os primitivos relógios mecânicos na Europa terem sido construídos por padres que, refugiados no sossego dos claustros, aperfeiçoaram pacientemente os conhecimentos transmitidos pelos árabes ao mundo cristão. Com efeito, por esse tempo, eram praticamente os eclesiásticos os únicos dotados de conhecimentos matemáticos e da ciência necessária para calcular as engrenagens e desenvolver os mecanismos no sentido de aperfeiçoamento da divisão mecânica do tempo.
Esses primeiros relógios mecânicos eram extremamente simples, sendo preciso dar-lhes corda varias vezes por dia; seus mecanismos apresentavam-se bastante toscos, não obstante, esse primitivismo relacionava-se mais aos detalhes de sua construção do que propriamente à sua concepção, o que, enfim, não deixa de ser compreensível, uma vez que o homem não contava ainda com maquinas razoáveis que o auxiliassem, dependendo para a execução das peças, de ferreiros habilidosos que as faziam praticamente à mão.
Havia relógios cujos mostradores indicavam as horas de 1 a 24, – acredita-se terem sido estes os primeiros a surgirem, – outros de 1 a 12 horas e também de 1 a 16 horas. Todos porém, sem exceção, possuíam desde o início de seu aparecimento apenas o ponteiro de horas; somente séculos depois é que o ponteiro de minutos foi aplicado.
É admitido, num sentido geral, que os primeiros relógios mecânicos, além de se destinarem aos mosteiros, também eram usados para indicarem as horas aos guardas das rondas noturnas, nas cidades medievais, que se encarregavam, por meio de um martelo, de bater em um grande sino o numero de pancadas correspondentes às horas que o mostrador do relógio assinale, ou de anunciar as horas, à viva voz, pelas ruas da povoação.
Um desses relógios, bastante conhecido por aparecer em muitos tratados de historia, encontra-se no Museu Nacional Alemão, de Nuremberg. Trata-se de um primitivo relógio construído por volta de 1400, especificamente para uso noturno, todo de ferro, com a altura de 40 centímetros, possuindo um mecanismo despertador que soava a cada hora; seu mostrador de 28 centímetros de diâmetro está dividido em dezesseis horas, sendo que no lugar da cada divisão encontra-se um botão saliente, cuja finalidade era permitir ao vigia noturno, na obscuridade, tateando com os dedos, determinar a posição do ponteiro em relação aos pontos de relevo, a fim de tomar conhecimento da hora que o relógio indicava. O sistema de escape desse relógio é o foliot, oscilando em períodos de cerca de três segundos.

RELÓGIOS E RELOJOEIROS ANTIGOS

Uma das menções européias mais curiosas que se conhece, com referencia a um relógio mecânico, é sem duvida a que se encontra nos três versos do canto XXIV do “Paraíso”, escritos pelo grande poeta florentino Dante Alighieri, acredita-se que por volta dos anos 1315 – 1316:
“E como o mecanismo dos relógios, as rodas giram de tal forma que se as observarmos, a primeira roda nos parecerá imóvel enquanto a ultima parece voar”.
Um dos poucos relógios mecânicos primitivos, que permitiu aos historiadores assegurar sua data certa de construção, foi o que existiu sobre a ponte de São Pedro, em Caen, cidade francesa situada na confluência dos rios Orne e Odon: era um relógio que batia as horas – provavelmente apenas despertador – e continha a seguinte inscrição: “M’a fait Beaumont l’an mil trois cent quatorze”.
Na Inglaterra há citações sobre um relógio que teria sido construído em 1288, instalado em Westminster e que é considerado como o mais antigo relógio mecânico desse país. Esse relógio foi instalado na grande torre de Westminster, que fazia parte do edifício do Parlamento, em Londres, por ordem do rei Eduardo I. Era necessário subir-se aos trezentos e sessenta degraus da torre para chegar-se até ao “Big-Tom” – Grande Tomás, nome que os ingleses deram a esse famoso relógio. O “Big-Tom” funcionou e bateu horas durante cerca de 4 séculos, tendo sido substituído mais tarde pelo “Big-Bem”.
Os historiadores da época mencionam também, como um marcador de tempo invulgar, o relógio construído por volta de 1330 pelo abade Ricardo de Walinfard.
Há diversos relógios mecânicos primitivos, construídos no século XIV, na Península Itálica; em 1328 um em Veneza, em 1334 em Pádua, em 1336 outro em Milão e em 1350 em Pávia.
Duas personalidades históricas importantes na ordem da evolução dos relógios mecânicos são: Santiago de Dondi e João de Dondi, filho do primeiro. Santiago de Dondi, medico e astrônomo de Pádua, inventou, em 1344, um relógio de planisférios, considerado durante muito tempo uma obra-prima e que teve o mérito de atrair a atenção dos sábios da época.
João de Donti, seguindo as pegadas do genitor, construiu em 1350, em Pávia, um relógio ainda mais aperfeiçoado do que o de seu pai; devido a esta sua invenção foi ele cognominado de Horologius, nome que adotou e se perpetuou nos seus descendentes.
Outro famoso relógio é o da Catedral de Estrasburgo, na Alemanha, cujo primeiro mecanismo foi construído em 1352, posteriormente substituído por outro que trabalhou de 1574 a 1789, e atualmente possui um mecanismo que data de 1842. em 1370, Henrique de Vick terminou de construir em Paris um relógio que esse monarca possui; em sua construção Vick trabalhou 8 anos seguidos. Esse relógio foi colocado na torre do palácio real de Paris e nele o famoso mestre relojoeiro aplicou o foliot. O desenho básico desse relógio foi sendo imitado durante dois séculos , quer em tamanhos grandes para edifícios, quer em reduzidas dimensões para uso em casas particulares.
Graças a alguns historiadores da época, e especialmente Pierre Leroy, existe descrição minuciosa desse célebre relógio de deu o nome ao “Quai de l’Horloge”, torre do castelo de Paris. Era um relógio com mecanismo volumoso de ferro forjado, sendo todas as suas peças, inclusive as engrenagens, feitas manualmente, na forja e na bigorna, a fogo e martelo; seu peso total ascendia provavelmente a algumas toneladas, pois somente seus 2 pesos motores tinham 250 quilos cada um, o que, por si só, demonstra a rudez da execução das suas peças. No entanto, é ele considerado uma obra realmente notável e, por suas características, mostra que não foi fruto de uma improvisação, mas sim de um estudo acurado e uma mestria elevada.

RELÓGIO – OBJETO RARO

Diz a historia que dentre as cortes européias, onde ressaltava com mais pujança a admiração pelos relógios, destacava-se a de Borgonha, na qual, um dos grandes afeiçoamentos da arte relojoeira era Felipe o Bom (1396-1467), pai de Carlos o Temerário e este por sua vez, não negando a filiação, também se interessou pelos medidores de tempo, havendo pago a seu medico Henrique Von Zwalis, o valor, bastante elevado, para a época, de 1000 libras, destinado à construção de um relógio que mostrasse o movimento dos planetas, estrelas e signos do zodíaco na escala anual.
Para podermos avaliar o quanto a invenção dos relógios mecânicos trouxe de alteração aos hábitos do homem, é necessário transportarmo-nos à Idade Média e sentirmos a carência de tantas e tantas utilidades que hoje nos são corriqueiras e também o esforço que o homem fez para sair desse circulo de pobreza, que o acompanha há milênios.
Nesse período da evolução da humanidade havia falta de muito e o pouco que se criava ficava bastante longe de satisfazer as necessidades. Estão neste caso, por exemplo, os vidros. As célebres catedrais góticas da Idade Média começavam a ser construídas e o vidro era tão escasso que os obreiros eram obrigados a trabalhar dia e noite para dar conta do mínimo requerido; tanto assim, que muitos castelos não podiam se dar ao luxo de possuir suas janelas com vidraça, pois o pouco vidro fabricado se destinava aos imponentes vitrais com que eram ordenados esses edifícios religiosos da época. Dentro desse âmbito de necessidades surgiu o relógio mecânico que, evidentemente, era das mais raras e preciosas peças, exigindo sua construção uma perícia invulgar, dando margem a que a escassa minoria que se dedicava a tal mister fosse recrutada dentre os cientistas e sábios da época, dando-lhes a oportunidade de perceber altos salários e ver seus nomes exaltados pelos escritores e poetas.
Por curioso ou mesmo inverossímil que possa parecer a alguém, era normal, antes do advento do relógio mecânico, o uso do galo como despertador, até nas cidades, vinha esse costume desde o período da antiguidade greco-romana e continuou durante a Idade Media, avançando mesmo após esta; isto certamente fora dos perímetros urbanos que contas com uma torre de relógios – e estas eram tão raras! O poeta francês, Fascadel, que viveu no século XVI, disse numa de suas obras ser o galo o despertador da época.
Nos campos de batalha a presença do galo como despertador era comum e do seu cantar dependeu algumas vezes o bom e o mau êxito dos exércitos. Já no tempo de Alexandre o Grande, era o canto matinal do galo que servia como despertador para os soldados. Diz-se, também, ter sido o galo que, com seu canto, deu sinal de alarme na batalha de Marignan, isto em 1515.
Retornemos à Idade Média; nesse período foi muito conhecida a figura característica do “Reveilleur”, ou seja, “despertador” em Português, cuja função era percorrer continuadamente as vielas da cidade, anunciando as horas, aos gritos, permitindo aos pacatos cidadãos, recolhidos em suas casas, tomarem conhecimento da marcha do tempo. Como pe obvio essa ocupação terá desaparecido mais rapidamente nos centros populacionais que puderam contar com relógios públicos e certamente persistiu por mais tempo nas cidadelas e pequenas povoações, geralmente circuladas por muralhas protetoras que lhes limitava a periferia.

A INFLUÊNCIA SIMBÓLICA DOS RELÓGIOS

Os relógios mecânicos, desde o seu surgimento até os fins da Idade Media (1300-1450), empolgaram de tal forma o homem, que chegaram a ser considerados como símbolo do equilíbrio, da sabedoria e da virtude e ta grande foi essa influencia que ela repercutiu até muitos séculos após. Assim, uma boa parte dos relógios construídos nesse período, e mesmo posteriormente, apresentavam figuras e desenhos alusivos a essas nobres qualidades que o homem deveria possuir; isto quando não se referiam diretamente à inexorabilidade do escoar do tempo, como é o caso do relógio da catedral de Estrasburgo.
Estrasburgo é uma cidade antiga, de aspecto medieval, e fica situada na Alsácia-Lorena, às margens do rio III, junto à confluência com o Reno. A sua catedral católica, é um soberbo edifício obedecendo ao estilo de arquitetura alemã primitiva. A primeira pedra foi colocada pelo bispo Werner, em 1015, em 1277 o bispo Conrado iniciou a construção da torre, que confiou ao arquiteto Ervino de Steinbach. Nessa catedral nota-se a presença de quase todos os estilos medievais, sendo de destacar os seus notáveis vitrais, o púlpito e o célebre relógio astronômico de Silberman; este relógio adquiriu grande fama face a sua complexidade e detalhes artísticos com figuras moveis. Os quartos de hora são assinalados por figuras diferentes que representam os quatro estágios da vida e que batem o seu quarto de hora correspondente em um sino. O primeiro quarto é assinalado pela figura de um menino que aparece e bate com um raminho no sino; no segundo quarto, ou seja, na meia hora, aparece um jovem caçador que bate com uma flecha; o terceiro quarto é assinalado por um guerreiro que usa a sua espada para bater no sino; finalmente no último quarto de hora correspondente à hora inteira, é um ancião, que emprega sua muleta para dar as pancadas.
A verdade é que, nos primórdios de seu aparecimento, os relógios mecânicos se constituíram motivos de assombro; realmente, o fato de se saber a hora com exatidão provocou uma revolução na vida social porque o cumprimento sos deveres, a regularidade moral e as virtudes começaram a ser ligadas ao engenhoso invento, convertendo-se o relógio em símbolo de virtude.
Nas pinturas e tapeçarias da época, tanto religiosas como profanas, nota-se uma influencia decisiva do relógio na vida dos homens. Os relógios simbólicos marcaram indelevelmente o século XV. A Temperança aparece geralmente representada pela figura de uma mulher que segura em uma das mãos algum objeto simbólico e na outra equilibra um relógio. Havendo também casos em que, em ambas as mãos, a figura segura objetos simbólicos, por exemplo, na mão esquerda um cofre, como a lembrar que deve haver parcimônia nos gastos e, na mão direita, uma taça para simbolizar a virtude que a mulher encarna; o relógio neste caso, aparece colocado sobre sua cabeça como a demonstrar a necessidade do equilíbrio que, como regula a marcha dos relógios, deverá também regular metodicamente a vida mental e física do homem.
Não eram apenas o equilíbrio e método as qualidades simbolizadas pelo relógio, havia uma outra muito importante: a Sabedoria. “O relógio da Sabedoria” está presente em diversos desenhos da época e geralmente era representado por um monumental relógio, no qual viam-se expostas muitas engrenagens e peças, havendo uma gravura célebre, que pertence à Biblioteca Nacional de Paris, em que as próprias ferramentas do construtor acham-se espalhadas pelo chão, próximo ao relógio, e ele ante os assistentes, faz-lhes uma demonstração a sua admiração e respeito pelo magnífico engenho.
Como símbolo da erudição era o relógio mecânico, como que a mais valiosa invenção do homem a demonstrar seu domínio da ciência, permitindo-lhe controlar mecanicamente o passar do tempo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como vimos, grande foi o esforço feito para se fugir aos convencionais relógios de Sol, de água e de areia, em cuja construção, durante séculos , foram somados todos os aperfeiçoamentos técnicos possíveis e aos quais os mais ilustres sábios, em suas respectivas épocas, deram melhor de seu trabalho e de seus estudos. Sem duvida, alcançados os limites máximos de precisão a que poderiam chegar, esses relógios, tendo servido ao progresso da humanidade, estacionara, já não permitindo maior avanço no sentido do aprimoramento na divisão do tempo.
Os sábios, face essa contingência, empenharam-se em encontrar outro caminho, o qual levasse a um marcador de tempo que lhes deixasse margem de pesquisar e de terem a oportunidade de aperfeiçoá-lo continuamente, até ao limite Maximo de sua precisão de marcha – dentro dos padrões de necessidade de suas épocas – e que pudessem chegar a ser tão perfeito que acompanhasse a cíclica marcha dos astros pelos espaços siderais.
A mecânica era olhada como uma esperança, quase uma certeza, para a solução de muitos problemas que dificultavam o progresso; a engrenagem, já conhecida desde quase 2 séculos antes de nossa era, se destaca como elemento centralizador dês atenções do homem para com a mecânica. O trem de engrenagens, por si só já era considerado uma verdadeira maravilha. Com efeito, um conjunto de rodas dentadas, que podia transmitir seus movimentos de umas para as outras, aumentando sua velocidade e diminuindo sua força ou vice-versa, era qualquer coisa de sobrenatural, comparado mesmo à mecânica celeste.
O uso cada vez mais generalizado de armas de guerra, construídas de ferro, à mão, no fogo e na bigorna, vulgariza o uso desse metal e cria artesãos que dominam as formas com sua experiência, sua forja e seu martelo. É uma evolução natural e na Idade Media a figura do ferreiro se projeta na vida das comunidades, sendo ele um profissional respeitado e altamente considerado. Os sábios da época aproveitam-se desses artífices, cuja principal ocupação é produzir armas, os conduzem à construção de suas maquinas e as engrenagens são forjadas por mãos habilidosas.
O aparecimento do primeiro relógio mecânico, por mais precário e mais rudimentar que tenha sido, permitiu aos estudiosos da divisão mecânica do tempo vislumbrar em profundidade suas extraordinárias possibilidades, embora remotas. Era qualquer coisa que tinha vida pelo girar contínuo de suas engrenagens, acionadas pela ação de um peso, era um relógio que não dependia da luz do Sol, ausente grande parte do tempo e quando presente apenas nos locais ao ar livre, ou do pingar contínuo da água, de ação relativa e com aparelhagem descômoda, ou ainda do escoar da areia, irregular e tão somente servindo para a contagem de períodos curtos. Não havia duvida, naquela maquina que movia estava, na opinião de muitos sábios, a gênese de marcador de tempo ideal.
No inicio, peças de grandes dimensões, descomunais mesmo, rudemente trabalhadas, formando conjuntos cujo peso ascendia a algumas toneladas, constituíram os primeiros relógios mecânicos. No entanto, a exigência dos precursores da relojoaria moderna, impondo aos artesãos a manufatura de peças mais delicadas, obrigou estes a se aparelharem e aperfeiçoar seus métodos de trabalho que foram sendo transmitidos de geração em geração.
A forjaria vai aos poucos se mecanizando; a forja e a bigorna, cada vez menos usadas, passam a representar um papel de menor importância na produção de peças para os relógios; paulatinamente, a forja foi tendo sua atuação diminuída, até sua total extinção, pelo domínio completo das maquinas e ferramentas que passaram a auxiliar o artesão, já não mais ferreiro, mas sim mecânico. Como tal, em muitos casos, o mecânico hábil artífice, aprofunda-se na construção dos marcadores de tempo, transmitido aos pósteros seus conhecimentos e seus métodos de trabalho, que aperfeiçoados permitiram a criação de comunidades dedicadas exclusivamente à fabricação de relógios e normalmente dirigidas por expoentes da ciência e da técnica na medição do tempo.
Há uma correlação de esforços de fundo técnico e cientifico, para a evolução do relógio mecânico: os cientistas, de um lado, descobrindo novas leis aplicáveis a esses marcadores de tempo, e do outro lado, os artífices melhorando a parte produtiva de suas peças.
Assim, a fabricação de relógios foi evoluindo, cada dia mais mecanizada e cada vez menos dependente do valor artesanal do homem, até nossos dias, em que a alta produção em serie determina a cada elemento apenas uma pequeníssima parcela de trabalho, em relação ao todo, como se, por ironia, fosse ele também apenas uma pequenina peça de um relógio, por mais importante ou insignificante que pareça.
Os relógios mecânicos, que eram inicialmente produzidos sem a preocupação de prazo, às unidades, passam através dos séculos, em uma ascensão geométrica, a ser fabricados às dezenas, depois às centenas e atualmente, em um só dia de trabalho, há fabricas que podem produzir muitos milhares deles.
Dessa forma evoluiu a produção desses utilíssimos marcadores de tempo que se vulgarizaram a tal ponto de se tornar raro, em nossos dias, o individuo que não possua o seu próprio relógio.